sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

"AVE MARIA, CHEIA DE GRAÇA" ou "SALVE, AGRACIADA"


Durante os festejos natalinos e de final de ano, em celebrações evangélicas, muitas mensagens passaram pelos púlpitos, palanques e circularam nas redes sociais. Muito se falou sobre as cenas bíblicas do Natal, sobre José, o pai adotivo, sobre Maria, a bendita mãe do Salvador Jesus, a manjedoura, os anjos, etc. Mensagens preciosas, cheias da inspiração do alto, por isso que extraídas da Palavra de Deus. Mas, aconteceram outras também. Nesse pequeno artigo quero arguir algumas afirmações que não se harmonizaram com as Escrituras mas, mesmo assim, foram ovacionadas, curtidas e compartilhadas por muitos:

1) Que a alocução "salve, agraciada...", proferida pelo anjo Gabriel em sua saudação a Maria (Lucas 1.28), corresponda à reza católica "Ave Maria, cheia de graça". Não, não corresponde; são diametralmente opostas, com a ressalva: Só a primeira é bíblica, a segunda é uma reza desalinhada do ensino dos apóstolos, que, em sua extensão, afirma ainda ser Maria “mãe de Deus” e intercessora dos pecadores. Nenhuma dessas expressões é bíblica ou pode ser igualada à singela saudação angelical “salve, agraciada”.

2) Que a expressão "Ave Maria, cheia de graça" seja uma oração. Não, não é uma oração, mas uma reza. E há sensível diferença entre reza e oração. Por exemplo, só para citar uma diferença: Na oração modelo (Mateus 6.9-13) Jesus ensina como orar, não o quê orar.

3) Que a expressão "Ave Maria, cheia de graça" vem integralmente da Bíblia. Em hipótese alguma, vem da idolatria do catolicismo romano, é estranha à lição das testemunhas originais, e, ipso facto, não se harmoniza com a doutrina dos apóstolos, que deve ser a doutrina da igreja (Atos 2.42).

Já de antanho temos sido injustamente acusados por líderes católicos de adulteração da Bíblia. Vertemos, por exemplo, a saudação do anjo Gabriel por “salve, agraciada”, enquanto eles a vertem por "Ave Maria, cheia de graça”. A acusação é falsa e fácil de ser desfeiteada. Por que? Ora, a Bíblia é um livro que tem originais... Aliás, nenhum outro livro, na história da humanidade, é tão documentado quanto a Bíblia. Por isso, acusações desse tipo são facilmente pilhadas. Colaciona-se original e versão...simples assim. Nunca houve uma tal adulteração nas "bíblias protestantes". A verdade é bem outra. Por exemplo, esse famoso texto da saudação angelical teve sua lição original alterada, sim, mas na tradução chamada Vulgata, a versão oficial da Igreja Católica. As testemunhas do Novo Testamento usadas por Jerônimo, o tradutor católico, têm esta lição: "Χαῖρε, κεχαριτωμένη..." Cháire, kecharitoméne; lit.: "alegra-te, favorecida"! Foi essa a saudação do anjo Gabriel, que nem usou o nome Maria, nem lhe conferiu o múnus de “cheia de graça”, como consta da Vulgata, mas saudou-a elogiosamente por "agraciada...". Aliás, o grande teólogo batista A. T. Robertson (1863-1934) verteu a expressão por “altamente favorecida”.

“Agraciada...” é a leitura das testemunhas originais. O grego κεχαριτωμένη kecharitoméne é um particípio passivo do verbo χαριτόω charitóo, favorecer, dotar. Como o verbo está na voz passiva, a tradução literal é: ser favorecida com graça, ou, ser dotada com graça. Observe pela semelhança das letras (o leitor que não lê grego) que a palavra graça (gr. χάρις cháris) está embutida no verbo χαριτόω charitóo.
 Pergunto: De onde vem a adulteração? Quem corrompeu o texto? Foi a Vulgata. Ao traduzir esse texto, Jerônimo, além de relegar a importância da construção passiva, em oposição ao autor inspirado, introduziu no texto a expressão “Ave, gratia plena ...", salve, plena de graça, ou, salve, cheia de graça. Assim, o tradutor católico, a seu próprio talante, subtraiu a lição do hagiógrafo, corrompeu-a, e passou a afirmar que Maria, a mãe do Salvador, tem poder para conceder graça. Mas a Escritura afirma ser ela receptora da graça [gr. κεχαριτωμένη].

"Cheia de graça..." não existe nas Escrituras, a não ser no sentido de uma pessoa ter sido favorecida com graça (voz passiva), ser enchida com graça (voz passiva), como é o caso da mãe do Salvador, e nosso também, no mesmo sentido, como João, o apóstolo, garantiu: Todos nós "recebemos graça” de Jesus (João 1.16). Somos receptores, não concessores.

 "Cheio de graça". Se aceitamos por verdade inerrante o testemunho das Escrituras, só Jesus é “cheio de graça”. Ele é a graça que “foi manifestada [no Natal] trazendo salvação a todos os homens” (Tito 2.11). O apóstolo João fala explicitamente sobre isso: "O Verbo [Jesus] se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade" (João 1.14).

 “Cheio de graça...” gr. πλήρης χάριτος pléres cháritos. Diferentemente da expressão κεχαριτωμένη kecharitoméne, “agraciada”, o apóstolo João define Jesus com o adjetivo πλήρης pléres, cheio + o genitivo χάριτος cháritos, de graça. Jesus, e somente ele, é "cheio de graça". Todos nós "recebemos” dele, da plenitude dele, “graça sobre graça" (João 1.16). Inclusive Maria, a bendita mãe do nosso Salvador Jesus.

Portanto, "cheia de graça" e "agraciada" são expressões diametralmente opostas. Maria, entendendo muito bem isso, respondeu em seu cântico: "A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito exulta em Deus meu Salvador; porque atentou na baixeza de sua serva" (Lucas 1.46-48). Ela recebeu graça, a graça de se tornar a mãe do Filho de Deus, o homem Jesus.

As igrejas estão cheias de pessoas que querem ouvir o que agrada aos ouvidos (2Timóteo 4.3,4), não importa se a doutrina é apostólica ou não. E alguns líderes se deixam seduzir por aquilo que enaltece, que produz elogios, que atrai, mas não convence do pecado. Só há uma verdade a ser pregada: a Palavra de Deus, que nem sempre agrada. Paulo ensina ao pastor Tito e a nós: “Tu, porém, fala o convém à sã doutrina” (Tito 2.1).

Autor 

Pastor Pedro Moura

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