Durante os
festejos natalinos e de final de ano, em celebrações evangélicas, muitas
mensagens passaram pelos púlpitos, palanques e circularam nas redes sociais.
Muito se falou sobre as cenas bíblicas do Natal, sobre José, o pai adotivo,
sobre Maria, a bendita mãe do Salvador Jesus, a manjedoura, os anjos, etc.
Mensagens preciosas, cheias da inspiração do alto, por isso que extraídas da
Palavra de Deus. Mas, aconteceram outras também. Nesse pequeno artigo quero
arguir algumas afirmações que não se harmonizaram com as Escrituras mas, mesmo
assim, foram ovacionadas, curtidas e compartilhadas por muitos:
1) Que a
alocução "salve, agraciada...", proferida pelo anjo Gabriel em sua
saudação a Maria (Lucas 1.28), corresponda à reza católica "Ave Maria,
cheia de graça". Não, não corresponde; são diametralmente opostas, com a
ressalva: Só a primeira é bíblica, a segunda é uma reza desalinhada do ensino
dos apóstolos, que, em sua extensão, afirma ainda ser Maria “mãe de Deus” e
intercessora dos pecadores. Nenhuma dessas expressões é bíblica ou pode ser
igualada à singela saudação angelical “salve, agraciada”.
2) Que a
expressão "Ave Maria, cheia de graça" seja uma oração. Não, não é uma
oração, mas uma reza. E há sensível diferença entre reza e oração. Por exemplo,
só para citar uma diferença: Na oração modelo (Mateus 6.9-13) Jesus ensina como
orar, não o quê orar.
3) Que a
expressão "Ave Maria, cheia de graça" vem integralmente da Bíblia. Em
hipótese alguma, vem da idolatria do catolicismo romano, é estranha à lição das
testemunhas originais, e, ipso facto, não se harmoniza com a doutrina dos
apóstolos, que deve ser a doutrina da igreja (Atos 2.42).
Já de
antanho temos sido injustamente acusados por líderes católicos de adulteração
da Bíblia. Vertemos, por exemplo, a saudação do anjo Gabriel por “salve,
agraciada”, enquanto eles a vertem por "Ave Maria, cheia de graça”. A
acusação é falsa e fácil de ser desfeiteada. Por que? Ora, a Bíblia é um livro
que tem originais... Aliás, nenhum outro livro, na história da humanidade, é
tão documentado quanto a Bíblia. Por isso, acusações desse tipo são facilmente
pilhadas. Colaciona-se original e versão...simples assim. Nunca houve uma tal
adulteração nas "bíblias protestantes". A verdade é bem outra. Por
exemplo, esse famoso texto da saudação angelical teve sua lição original
alterada, sim, mas na tradução chamada Vulgata, a versão oficial da Igreja
Católica. As testemunhas do Novo Testamento usadas por Jerônimo, o tradutor
católico, têm esta lição: "Χαῖρε, κεχαριτωμένη..." Cháire,
kecharitoméne; lit.: "alegra-te, favorecida"! Foi essa a saudação do
anjo Gabriel, que nem usou o nome Maria, nem lhe conferiu o múnus de “cheia de
graça”, como consta da Vulgata, mas saudou-a elogiosamente por
"agraciada...". Aliás, o grande teólogo batista A. T. Robertson
(1863-1934) verteu a expressão por “altamente favorecida”.
“Agraciada...”
é a leitura das testemunhas originais. O grego κεχαριτωμένη kecharitoméne é um
particípio passivo do verbo χαριτόω charitóo, favorecer, dotar. Como o verbo
está na voz passiva, a tradução literal é: ser favorecida com graça, ou, ser
dotada com graça. Observe pela semelhança das letras (o leitor que não lê
grego) que a palavra graça (gr. χάρις cháris) está embutida no verbo χαριτόω
charitóo.
Pergunto: De onde vem a adulteração? Quem
corrompeu o texto? Foi a Vulgata. Ao traduzir esse texto, Jerônimo, além de
relegar a importância da construção passiva, em oposição ao autor inspirado,
introduziu no texto a expressão “Ave, gratia plena ...", salve, plena de
graça, ou, salve, cheia de graça. Assim, o tradutor católico, a seu próprio
talante, subtraiu a lição do hagiógrafo, corrompeu-a, e passou a afirmar que
Maria, a mãe do Salvador, tem poder para conceder graça. Mas a Escritura afirma
ser ela receptora da graça [gr. κεχαριτωμένη].
"Cheia
de graça..." não existe nas Escrituras, a não ser no sentido de uma pessoa
ter sido favorecida com graça (voz passiva), ser enchida com graça (voz
passiva), como é o caso da mãe do Salvador, e nosso também, no mesmo sentido,
como João, o apóstolo, garantiu: Todos nós "recebemos graça” de Jesus
(João 1.16). Somos receptores, não concessores.
"Cheio de graça". Se aceitamos por
verdade inerrante o testemunho das Escrituras, só Jesus é “cheio de graça”. Ele
é a graça que “foi manifestada [no Natal] trazendo salvação a todos os homens”
(Tito 2.11). O apóstolo João fala explicitamente sobre isso: "O Verbo
[Jesus] se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade"
(João 1.14).
“Cheio de graça...” gr. πλήρης χάριτος pléres
cháritos. Diferentemente da expressão κεχαριτωμένη kecharitoméne, “agraciada”,
o apóstolo João define Jesus com o adjetivo πλήρης pléres, cheio + o genitivo
χάριτος cháritos, de graça. Jesus, e somente ele, é "cheio de graça".
Todos nós "recebemos” dele, da plenitude dele, “graça sobre graça"
(João 1.16). Inclusive Maria, a bendita mãe do nosso Salvador Jesus.
Portanto,
"cheia de graça" e "agraciada" são expressões
diametralmente opostas. Maria, entendendo muito bem isso, respondeu em seu
cântico: "A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito exulta em
Deus meu Salvador; porque atentou na baixeza de sua serva" (Lucas
1.46-48). Ela recebeu graça, a graça de se tornar a mãe do Filho de Deus, o
homem Jesus.
As igrejas
estão cheias de pessoas que querem ouvir o que agrada aos ouvidos (2Timóteo
4.3,4), não importa se a doutrina é apostólica ou não. E alguns líderes se
deixam seduzir por aquilo que enaltece, que produz elogios, que atrai, mas não
convence do pecado. Só há uma verdade a ser pregada: a Palavra de Deus, que nem
sempre agrada. Paulo ensina ao pastor Tito e a nós: “Tu, porém, fala o convém à
sã doutrina” (Tito 2.1).
Autor
Pastor Pedro Moura