(Por Rubem Alves) A Arca de Noé: Por vezes, em minhas falas, conto aos meus ouvintes as perguntas que a crianças fazem, perguntas que revelam a sua inteligência. Porque a água fervendo amolece a cenoura e endurece o ovo? O que faz a terra girar? Quem inventou as palavras? Entre as perguntas se encontra essa, feita por uma criança: “Se na Arca de Noé estavam leões e tigres, por que eles não comeram as ovelhas e os coelhos?” Uma participante ficou angustiada com essa pergunta ímpia e, para esclarecer-me, enviou-me esse bilhete com a resposta ortodoxa: “Os leões não comiam cabritinhos porque estavam durante aquele período totalmente isentos de toda natureza selvagem que tinham. Durante os dias e as noites na arca, Noé e a sua família estavam responsáveis de cuidar dos animais, e Deus em sua sabedoria e amor fez com que todos os animais ficaram como que “temporariamente transformados”. Rubens, pelo pouco que te conheço, percebi que é muito inteligente.... Aconselho-te que procure uma Igreja Adventista do Sétimo Dia, e perceberá experimentando tudo o que Deus ainda não pode te mostrar. Beijos carinhosos.” Senti que sua pergunta era honesta e que ela se preocupava com a salvação da minha alma. Mas eu estou mais com a criança que com a resposta ortodoxa. E as perguntas me perturbam. Primeiro, acho extraordinário que os filhos de Noé tivessem acreditado. Hoje, em virtude da descrença, se eu anunciasse aos meus filhos que Deus me aparecera anunciando o fim do mundo por um dilúvio e dizendo que tínhamos de fazer uma arca, é certo que eles, com lágrimas nos olhos, me internariam numa instituição para velhos senis. Não sei se a Arca de Noé tinha espaço suficiente para todos os bichos, elefantes, girafas, ursos polares, avestruzes, hipopótamos, macacos, lagartos, cavalos, porcos, galinhas. Há de se considerar também a dificuldade logística de trazer todos esses animais e convencê-los a entrar na arca. Os ursos polares teriam de ser trazidos do ártico. As lhamas, do Peru. Por favor, não me julguem incrédulo. Tenho na minha sala de estar, num lugar de honra, uma magnífica tela “A Arca de Noé”, o patriarca barbudo e seus filhos e a bicharada em fila. Com certeza Noé falava a fala dos bichos e eles o obedeciam. Depois de todos lá dentro a arca foi fechada. Imaginem as toneladas de ração que deveriam estar na arca para que os bichos não morressem de fome! E as montanhas de fezes que não podiam ser jogadas para fora, porque a arca estava trancada. O cheiro era insuportável. A menos que Deus tivesse transformado o fedor em perfume. O trabalho diário de Noé e seus filhos, cuidando dos bichos, deveria ser gigantesco. Aí eu pergunto: Se os animais foram transformados temporariamente por Deus em seres pacíficos, por que Deus, todo poderoso, não fez uma transformação definitiva? Saídos da arca, os leões e tigres voltaram a ser carnívoros? Os cabritinhos e coelhos tiveram tempo de fugir? E se Deus pode fazer isso com os bichos, por que não o fez, definitivamente, com todos os homens, evitando assim o artifício cruel de matar todos por afogamento? Deixando de lado todas essas perguntas de uma razão ímpia, voltamos às delícias românticas da imaginação... (Texto de Rubem Alves – copiado do seu site).
É bom sabermos, a priori, que o Antigo Testamento é a sombra do Novo Testamento e que Deus usava simbologias constantemente para falar ao coração do povo. Encontramos o profeta Isaias andando nu e descalço (Isaias 20:2,3), deparamos-nos com um Oséias recebendo ordens para casar com uma prostituta e ter filhos de prostituição (Oséias 1), Ezequiel, na qualidade de vidente, comicamente gravando sobre um tijolo o cerco contra Jerusalém (Ezequiel 4). Todo o capítulo quatro, adicionado a outras determinações divinas, concluído por nossa mente culturalmente oposta ao governo teocrático de Israel, nos leva a imaginar um Deus esquizofrênico. E quantas outras referências poderíamos citar sobre Deus falando ao povo de maneira singular.
Abriu-se, então, o santuário de Deus, que se acha no céu, e foi vista a arca da Aliança no seu santuário, e sobrevieram relâmpagos, vozes, trovões, terremoto e grande saraiva. Apocalipse 11:19.
No caso, a arca foi uma realidade, e para hoje tem um significado muito especial: aponta para os fins dos tempos, como evoca o próprio Jesus:
“Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavam e davam-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca, e não perceberam, senão quando veio o dilúvio e os levou a todos, assim será também a vinda do Filho do Homem.” Mateus 24:37,38.
Existem algumas pessoas que não conseguem crer em um Deus todo-poderoso, que não age em cima dos seus raciocínios humanos nem incredulidade. Talvez seja mais fácil acreditar em extraterrestres que se equiparam a nós, mortais, em alguns aspectos (embora nunca soube que alguém tenha convivido no mundo deles e nos trazido informações sobre sua suposta existência), do que crer em um ser superior a nós, humanos, que não se pode explicar. É uma tarefa demasiadamente difícil para um cético obstinado.
Deus fechou a boca dos leões quando Daniel foi jogado na cova deles, qual o problema? Sadraque, Mesaque e Abede-Nego passearam pela fornalha de fogo aquecida sete vezes mais por ordem do furioso rei, sem nem sequer serem chamuscados. O que é impossível para Deus? (Daniel 3).
Não vou respaldar a ortodoxa senhora adventista, nem vou tentar uma resposta sem argumento bíblico, ou histórico que seja fidedigno.
Creio que o narrador da história da arca de Noé estava mais preocupado em transmitir o essencial do que informar sobre as leis sanitárias que regiam o dia-a-dia da arca, ou como Deus atuou para que os animais convivessem pacificamente. Se havia compartimentos próprios para cada espécie, não sabemos. Talvez tenha sido mais fácil para Deus mantê-los em paz, do que seria convencer o homem de que a harmonia é o caminho mais sábio que a guerra.
Cremos que todos acharam realmente que Noé estava louco, e esse “achismo” foi desastroso para eles. Só não foi para a família do profeta, que conhecia o pai que tinha e a intimidade que ele mantinha com Deus.
Quanto à dificuldade logística, não devia ser tão grandiosa como seria hoje, com tantos espertos querendo ganhar a concorrência; nem o planeador dependia da logística humana, não esqueçamos: Ele é a própria sabedoria, além de que toda a criação lhe está submissa.
Por que Deus não converteu o homem à força dos seus maus caminhos?
Se Deus houvesse agido desta maneira, nossos nobres céticos diriam que Deus seria um ditador implacável, um tirano, manipulador das raças. Como Deus limitou-se a ensinar valores morais, éticos, em suma, a amar, e esperou que os homens atendessem ao Seu apelo prevenindo-os da conseqüência dos seus pecados, se cobra de Deus a vida daqueles que viviam em perversão total.
Será que esses amores encarnados poupariam o assassino de um familiar seu que fosse enterrado a semelhança do Tim Lopes, ou um bandido que, em fuga, arrastasse pendurada no seu carro uma criançinha, filho seu ? O mais impressionante é que, havendo arrependimento genuíno, Deus perdoaria e os trataria como filhos.
“A terra estava corrompida à vista de Deus e cheia de violência”.
Viu Deus a terra, e eis que estava corrompida; porque todo ser vivente havia corrompido o seu caminho na terra. Gêneses 5:11,12.
Deus É e será para toda a eternidade. Ele ama a cada cético, mesmo aos que O ironizam, com o mesmo amor que O levou a entregar Seu único filho por todos nós. A Ele toda glória e honra. Pra. Guiomar Barba.